Desilusão
É impressionante como nos podemos enganar com as pessoas. São hipócritas, cínicas, falsas. Fazem-se de vítimas e nós, que sofremos na pele todo o sofrimento e desilusão, ainda somos culpados, apontados.
Nunca pensei dizer isto de alguém do meu próprio sangue, mas hoje, mais uma vez, tive a prova de que ele é assim, e de que existem pessoas assim. Podem fazer-lhe tudo, e quando digo tudo, é mesmo tudo, que mesmo assim nós somos os culpados, nós somos os provocadores, aqueles que se afastam, aqueles que têm problemas, aqueles que não o compreendem.
Realmente, não o consigo compreender. Realmente, é algo que não entendo, que não percebo o motivo, a razão para tal comportamento, para tal atitude. A desilusão estampada nos pais, a desconfiança, o ciúme estampados nos olhos dele, é algo que me gela por dentro, me delicera o coração, deixando-o a sangrar, deixando-o a morrer aos poucos, aos poucos e poucos, como duma bomba prestes a findar com um ser que nunca deveria ter nascido.
Às vezes, penso se serei mesmo eu o impulsionador de tal ciúme, de tais comportamentos de desconfiança, mas não percebo o porquê. Sou sossegado, calmo, vivo a minha vida sossegadamente, sem prejudicar os outros, sem qualquer mal para com os outros, ajudo-os no melhor que posso e consigo, dou o meu melhor, e não hesito em estender a mão quando mais necessitam. Mas, estas atitudes têm minado o meu coração, o meu sentimento, a minha afinidade. Poderei aqui estar o resto do dia a dizer o que sinto, mas a minha vontade é isolar-me de todo o mundo, viver a minha vida e não ter mais problemas, seja de que espécie for. Mas, de que me adianta fugir? De que me adianta fugir dos problemas? Vou ter de viver com eles uma vida inteira, ainda mais, fugindo irei ter sempre estes problemas na minha cabeça, a atormentar-me, a pensar que algum voltarão, tal e qual se passou com a minha mãe.
A verdade é que, hoje, que deveria ser um dia feliz cá em casa, é um dia de pranto, um dia de sofrimento para mim, um dia de pura mágoa, amargura, raiva, revolta, frustração. Não sei se é ódio, o que sinto, mas é uma enorme repulsa por esta pessoa, pelas suas atitudes. Não as compreendo! Penso que é doente, mas também não se quer tratar. Já pensei em bipolaridade, em esquizofrenia... Sei lá, já pensei em tanta coisa, tanta coisa que me tem consumido, que me vai consumindo, até que um dia seja realmente o meu fim e, nesse dia, que já esperei mais que chegasse, talvez uma paz me abrace e me eleve de toda esta mágoa.
É uma enorme deilusão. Não consigo expressar por palavras o que sinto. Este sábado é o meu dia! Mas, que raio de dia será? Um dia de hipocrisia? Um dia em que por uns instantes veste uma capa de cordeiro arrependido, para depois, voltar a vestir a capa de vítima, de apontador? Nada fiz, mas estou farto de chegar a casa e ver a minha mãe a chorar, o meu pai triste, impotente, sem reacção, todos os dias uma enorme desilusão, todos os dias em puro estado de nervosismo e de ansiedade. Como podemos viver neste estado? Como podemos ser bem sucedidos na vida, no trabalho, entre os amigos, se é este o ambiente que vivemos? A minha vontade é sair de casa, mudar-me, mas, por outro lado, não posso abandonar os meus pais, não posso deixá-los com esta batata quente.
Apetece-me desaparecer por uns tempos, mas ir para onde? Fazer o quê? Contar com quem? Começo a sentir desconfiança de todas as pessoas. Não consigo mais confiar, não consigo mais acreditar na boa vontade. Esta pessoa, sangue do meu sangue, era a minha inspiração, quando pequeno era. Era a pessoa que eu queria ser quando fosse maior. Como pode uma pessoa mudar tão radicalmente? Dizem-me para conversarmos com ele, para tentarmos perceber o que o atormenta. Mas, será que ninguém entende que ele não vai com conversas? Se conversarmos com ele, começa logo a discutir, a apontar-nos o dedo, a culpar-nos por ser como é.
Umas vezes, acabo por ter pena dele, pois sei que ele é doente, precisa de ajuda psicológica, mas como posso ajudá-lo? Como posso lidar com toda esta situação sozinho? Este sábado faço duas décadas mais um ano. A idade em que antigamente se atingia a maioridade. Como posso estar sossegado e aproveitar este grande dia?
Sou uma pessoa alegre, divertida, mas a minha vontade é isolar-me, ficar sozinho! Ao mesmo tempo, acho que ele não merece que faça isso. Muito pelo contrário, deveria erguer a cabeça e estar com as pessoas que amo, revoltar-me se assim necessário fosse. Será possível? Só queria ter paz e sossego. É pedir muito?